sábado, 23 de abril de 2011

A MEDÉIA DA VIDA REAL!

Na primeira aula sobre o teatro trabalhamos com fragmentos do texto Medéia, de Eurípedes. A história da mãe que assassina os próprios filhos para se vingar do ex gerou polêmica e indignação em sala de aula. Mas aqui no Brasil, há poucos anos, algo muito semelhante aconteceu. Alexandre Nordoni matou cruelmente a filha, Isabella, no desejo de atingir a ex esposa, mãe da criança. Vale a pena conferir uma análise feita por Eduardo Pereira Machado, o qual relaciona esses dois casos que misturam arte e realidade:



MEDÉIA E A TRAGÉDIA DA VIDA REAL: UMA ABORDAGEM DO CASO ISABELLA


A tragédia iniciou na Grécia antiga por volta do século V a.C. e era encenada em homenagem ao Deus Dioníso. De lá para cá, muitos acontecimentos surgiram, inclusive a transposição do mito para a realidade.
   Medéia – escrita em 431 a.C. pelo poeta grego Eurípides – matou seus próprios filhos e com eles transfigurou a imagem da mãe que ama, cuida e protege. Anna Carolina Jatobá matou a filha de seu companheiro, pois a menina Isabella simbolizava a traição, o ciúme doentio, a divisão.
   Possessa, egocêntrica e egoísta, amar a filha que seu ventre não gerou jamais seria capaz, pois queria possuir por inteiro o amor e a atenção do homem que amava. Ele, por sua vez, quis livrar-¬se da prova de sua mal sucedida história de amor, livrar da culpa, a mãe de seus filhos e, quem sabe, vingar¬-se de uma suposta rejeição da mãe de Isabella. Na tragédia grega, Jasão trocou Medéia por uma outra mulher; na tragédia da vida real, Alexandre Nardoni sai de uma relação rejeitado e acuado, eis que encontra outro amor com o mesmo nome do antigo, com feições físicas parecidas, no entanto engana-¬se que com a mesma pudesse resgatar o sentimento que se perdeu. É preso pelas garras do ciúme, pois Anna Carolina Jatobá exige devoção, mas ele apresentava sua filha – fruto de seu relacionamento anterior – com a imagem e semelhança da rival, suscitando em Jatobá o ciúme e o ódio.
   Os sentimentos humanos se manifestaram tão contraditoriamente que almejamos entende-¬los, mas eles são tão fortes e pungentes quando envolvidos em uma tragédia que não sabemos quem são os verdadeiros culpados e quais os reais sentimentos que os levaram ao crime.
   Alexandre Nardoni, com seu comportamento agressivo e inseguro, mantinha uma família sustentada pelo pai, era ainda um adulto dependente financeiramente, bem como um homem preso ao seu passado com a sua história de amor mal resolvida. Se observarmos essa tragédia por outro ângulo, ele – Alexandre – usou Anna Carolina para realizar sua vingança: matar a filha para atingir a mãe como fez Medéia ao matar os filhos para atingir Jasão. Criou, através de seu comportamento, suspeitas e desconfianças no coração daquela dominada pelo ciúme da ex¬-mulher, cuja personificação ocorria através de Isabella. O contato físico do pai com a menina estimulava e aguçava o desejo de extermina-¬la de suas vidas, seria ela o grande “problema” da relação, uma vez que Anna Carolina não tinha o marido só para si e os filhos do casal. Nesse aspecto, a possessividade de Jatobá contribuiu para que se desse início a vingança de Alexandre.
   Alexandre e Anna Carolina, após a tragédia, valeram¬-se de um recurso muito antigo, usaram máscaras: ele de um pai protetor e ela de uma suposta madrasta¬-mãe que queria Isabella no seu convívio e no convívio com os irmãos, como filha. Choraram, contaram histórias de uma família feliz, contudo um fio tênue que os envolvia denunciou a indiferença entre eles.
Nunca a palavra madrasta, depois dessa tragédia, soou tão cruel e amedrontou as relações familiares. Medéia, na sua época, causou pavor, o medo, a insegurança, o desfacelamento da família, assim como hoje, a história de Isabella trouxe para a sociedade um questionamento reflexivo dos sentimentos que permeiam a família moderna que já não é mais formada de mãe, pai, filhos, mas de mães, ex-¬mulheres, madrastas, ex-¬maridos, filhos da outra, filhos nossos, filhos deles.
   Anna Carolina Jatobá, assim como Medéia, transformou o amor por um homem em uma triste história trágica, tudo por conta do ciúme, que ao lado do ódio se torna o mais perverso dos sentimentos.
   Diante da tragédia, segundo Aristóteles, o espectador deve purificar suas emoções através dos sentimentos de terror e de piedade, conceito esse conhecido como catarse. Nesse sentido, as tragédias gregas – como depois as romanas – podem ser compreendidas como “didáticas”, pois visavam, de certa forma, manter um equilíbrio entre o ser humano e o cosmos que integrava. Isso significa que, quando o espectador assistia a encenação das tragédias, observando o que ocorria às personagens em conseqüência de seus erros, de suas desmedidas, esse espectador reavaliaria seus próprios impulsos, suas próprias emoções “funestas”, e pouparia a si e aos outros de possíveis erros trágicos, que pudessem desestabilizar a família e a sociedade. Tal acontecia, como se disse, mediante o terror – diante de uma ação “trágica” (traições, assassinatos) e mediante a piedade (por aqueles que eram vítimas dessas ações).
   Mas na tragédia da vida real, com tantas crueldades que diariamente permeiam nossas vidas, por que isso não ocorre? Por que a catarse não se faz presente? Seria a impunidade com que os crimes são tratados? Fica a pergunta!

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